quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Balanço

No dia 11 de Janeiro a região serrana do Rio de Janeiro sofreu precipitação de 182,7 mm³. Esse volume de precipitação significa 182 litros e 700 mililitros cúbicos de chuva por metro quadrado.

No momento, o número de corpos encontrados se aproxima dos 900 e continuará a aumentar.

São 30 mil pessoas desalojadas. 20.800 desalojados e 9 mil desabrigados. São 4.500 crianças em abrigos, sem identificação. É uma cidade de baixo de uma nuvem de poeira, que certamente provocará uma onde de doenças respiratórias. São doenças como leptospirose e doenças por problemas de higiene e exposição a desejos e água contaminada.

Numa área de 120 km², o impacto foi assustador. São bairros que desapareceram, condomínios que se tornaram pântanos, salões de festa que se tornaram tumbas coletivas. Em alguns locais, o cheiro forte era de morte. Em outros era evidente como tudo se transformou; onde havia casas e um campo de futebol, a geografia se modificou em um pântano cheio de restos e traços do que há poucos dias havia.

Porém, o quadro de cada local atingido é particular. Teresópolis possui vantagens sobre as demais por seu posicionamento geográfico. Por estar numa área muito elevada e ter seu centro numa área plana e com menos volume de terra, seu centro foi praticamente todo preservado. A cidade aparentava mal ter sido atingida em seu centro. Mas a realidade é que bairros periféricos e zonas afastadas onde havia sítios e condomínios de luxo foram extremamente atingidos.

Na cidade vimos questões diversas, como problemas de logística para atender as pessoas. Por conta de má vontade política das autoridades da cidade, os postos de assistência não possuíam sempre a melhor informação para atendimento. Por vezes, voluntários eram enviados em áreas que já estavam abastecidas. Graças a Deus, o volume de donativos têm sido suficiente para atender a todos os necessitados.

Pessoas de todos os cantos do Brasil se deslocavam para auxiliar e levar donativos. Poucos minutos depois que chegamos à IASD Central de Teresópolis, um caminhão vindo de Juiz de Fora também estacionou repleto de donativos. Do motorista ouvimos a triste história de um caminhão inteiro de alimentos doados que foi desviado. Da mesma forma que neste momento há um grande movimento em prol do auxílio, há pessoas mal-intencionadas visando tirar proveito da boa vontade de quem auxilia e da necessidade de quem foi vítima.

A situação vem sendo contornada por um esforço organizacional dos voluntários, onde os grupos que ainda não o faziam, passaram a fazer o controle e cada item doado e o nome de quem o retirava, de quem o recebia. Uma burocracia pesada, mas fundamental para manter a integridade do auxílio.

Alçando passos nas áreas afetadas, encontramos histórias diversas. Pessoas que desenterram visinhos, amigos, parentes. Pessoas que não conseguiam narrar o ocorrido a não ser por uma maneira fria e direta, por conta do estado de choque. A paisagem do desastre ainda era muito evidente e constante para cada vítima para que se pudesse começar a digerir algo que se ingere ininterruptamente.

Encontramos pelo caminho pessoas que perderam investimento em terras, em propriedades, plantações, Cavalos e Aras inteiro.

Havia pessoas que agiam por pura ansiedade e nervosismo, tentando fugir e ultrapassar caminhos ainda inviáveis para seus pés, como um rapaz que tentava sair com sua família de uma área afetada. Seu Santana amarelo jamais passaria pelo riacho que se formou onde antes era uma estrada de terra batida. Atolou onde ainda era apenas barro. Foi necessário desatolar seu carro e encaminhá-lo de volta e aconselhá-lo a atravessar a pé. De outra forma, seria inviável.

Um dos pontos mais curiosos é que os moradores das áreas atingidas jamais foram informados de qualquer risco de deslizamentos. E não é possível afirmar que o poder público não possuía informação sobre o risco de certas áreas nessa região.

O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos publicou uma série de artigos em 2008, à época Santa Catarina havia passado por fortes chuvas e deslizamentos. Em seu artigo na Carta Capital, Álvaro alertava para as cidades de Petrópolis e Nova Friburgo, em especial, como áreas de imenso risco de deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro.

Áreas que desapareceram possuíam toda a normativa burocrática habitual para construção. Não havia planos de contingencia, prevenção, evacuação para o desastre. Esse foi o principal catalisador da tragédia.

A cidade de Nova Friburgo foi obrigada a se organizar de forma mais eficiente pelo fato de o núcleo da cidade ter sido completamente atingido. Apenas três bairros da cidade foram poupados.

Poucas horas na cidade era suficiente para impregnar completamente nossos cabelos e corpos com poeira. O impacto físico foi muito maior. A cidade precisava de mais agilidade no atendimento.

Atuamos junto com voluntários da Cruz Vermelha e com Bombeiros. Abastecemos postos comunitários formados nas localidades atingidas, percorremos áreas para realizar a checagem situacional, buscando as necessidades que poderiam haver e o que já poderia estar suprido.

Queríamos ter chegado antes e saído depois. Infelizmente não pudemos acessar todos os locais que gostaríamos de ir. Nosso sentimento era de ficar até que tudo estivesse completamente resolvido.

Mas há momentos que é preciso deixar que as pessoas caminhem sozinhas. Apenas auxiliá-las a se equilibrar, para que possam voltar a caminhar por si. E é o que fazemos nesse momento.

As áreas atingidas já estão num ponto que as áreas para procura de corpos só são acessíveis com maquinário pesado, como retroescavadeiras.

Nesse momento, praticamente não há mais comunidade isoladas, as vias de acesso já foram por quase completamente restauradas. As doações estão chegando. E elas são fundamentais para esse momento de retomar o equilíbrio. É fundamental ressaltar que o foco das doações de agora é emergencial. Em pouco tempo, a situação estará completamente normalizada.

Vivenciamos e compreendemos muita coisa. Há muita gente de boa vontade, mas despreparada. É preciso qualificação e preparado para momentos emergenciais. No Sábado à noite nosso grupo precisou acessar uma região periferia de Teresópolis para resgatar um grupo de jovens voluntários que se dirigiram à região em horário inapropriado, sem equipamento e sendo alertados da não necessidade da localidade naquele momento, que já estava abastecida.

Ficou evidente que o principal desafio que fica para o Brasil, após essa tragédia, é de organização para prevenir, evitar e superar eventos como este. Os tempos de um país imune a desastres naturais já foram ultrapassados. Em um mês tivemos 3 recordes históricos de volume de chuva jamais vistos na América do Sul (São Paulo, Região Serrana do Rio de Janeiro e Maranhão ultrapassaram 180 mm³).

Ficou evidente o completo despreparo para lidar com um evento que tem se repetido ano após ano, enchentes e deslizamentos.

O resgate emergencial está sendo feito. Os sobreviventes foram salvos. Os sobreviventes estão sendo acolhidos pela solidariedade do resto do país. Estão recebendo o necessário para recomeçar. Porém, estamos apenas remediando um câncer que já sabemos que constantemente irá se manifestar.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Relato

O grande objetivo era acessar uma comunidade que está isolada, chamada Santa Rita, aqui em Teresópolis. É uma comunidade de base rural, pessoas simples, em absoluta maioria pobres.

Porém, essa comunidade está atrás de uma cadeira de morros. Por isso, temos várias tentativas frustradas de tentar atingi-la por pontos diferentes. Todas as pontes de acesso foram destruídas. Só seria possível alcançá-la após atravessar os morros até um ponto em que nem mesmo um veículo 4 x 4 é capaz de ultrapassar e nem mesmo uma moto de MotoCross poderia ir. É preciso ir a pé por 40 minutos sob forte sol quando toda alternativa se esvair.

Porém, essa comunidade saiu do meu foco na nossa terceira tentativa de rota.

Para ir para Santa Rita, precisamos passar por dentro de um condomínio de luxo, na Serra campestre de Teresópolis. Casas e sítios de luxo comparáveis aos de Campos de Jordão.

O condomínio era bonito, sua entrada, o portal, fica em um ponto alto, semi-conservado pela boa sorte de ter sido pouco atingido. Porém, quando olhasse além, onde deveria haver uma área de convivência, um lago e um espaço de interação dos moradores do condomínio, há apenas um imenso lamaçal. Suas medidas são quilométricas, assustadoras.

Então, nosso grupo fica sabendo que aquilo era apenas um aperitivo do que aconteceu ali. Toda a área de convivência cedeu, foi destruída pela chuva forte e enxurradas.

O condomínio foi praticamente varrido do mapa. Poucas casas deixam rastros. É possível contar nos dedos quantas ficaram de pé. E nessas poucas, pessoas narcotizadas pelo choque do evento e pela intensa dor que não são capazes de compreender, até o momento.

Nenhum morador das áreas atingidas consegue demonstrar dor. Os sobreviventes contam como foi retirar da lama o corpo de seu melhor amigo ou de seu filho. A diretora da escola infantil relata as mortes de pais e mães de alunos. Relata a morte da cozinheira da escola. E de boa parte dos alunos. Seu rosto, tenta disfarçar a expressão. As palavras travam, se misturam e saem querendo fingir não ter conotação. É a expressão mais intensa da dor; querer transparecer da forma desesperada a mentira que quer acreditar da forma mais sincera.

Os moradores não possuem noção de tudo que envolve o ocorrido. Alguns preferem culpar o aquecimento global. Outros dizem que é mera manifestação da natureza. Outros dizem que é castigo. Os mais simples têm medo de pensar nisso. Só querem reconstruir e viver nesse pedaço de chão que se acostumaram a chamar de lar.

A verdade mais intensa saiu dos lábios de um lavrador local, Israel Patrício, que perdeu seu trabalho e todo o investimento que havia feito num pedaço de terra, para mudar sua vida. Para ele, “Em qualquer lugar há perigo. Aqui foi a chuva. No Rio, poderia ser um maremoto, um tufão. Em outro lugar, terremoto ou quem sabe um incêndio. Mas a única coisa que podemos confiar é em Deus, pois nessa terra, jamais podemos saber do momento seguinte”.

Ainda temos muito para ver. Mas a sensação de todo o grupo é que tudo está muito pior do que poderíamos imaginar. Não num aspecto de mortes e do desastre. Essa dimensão é mensurável, até, pelos meios de comunicação. Porém, o aspecto social e moral de Teresópolis está intensamente conturbado. Há questões políticas que levam a pura negligência e conduta antiética. Há 3 mil crianças em abrigos apenas em Teresópolis e serão jogadas ao Deus dará da burocracia política de uma cidade que resolveu que o Cooper na serra não atingida é mais importante.

Há muito amor e solidariedade do Brasil. Mas as pessoas boas têm tido que se esforçar em dobro aqui. Infelizmente, o mal não está quando os maus falam, mas quando os bons se calam. E os bons precisam de muito apoio para falar aqui.

Teresópolis