sábado, 22 de janeiro de 2011

Relato

O grande objetivo era acessar uma comunidade que está isolada, chamada Santa Rita, aqui em Teresópolis. É uma comunidade de base rural, pessoas simples, em absoluta maioria pobres.

Porém, essa comunidade está atrás de uma cadeira de morros. Por isso, temos várias tentativas frustradas de tentar atingi-la por pontos diferentes. Todas as pontes de acesso foram destruídas. Só seria possível alcançá-la após atravessar os morros até um ponto em que nem mesmo um veículo 4 x 4 é capaz de ultrapassar e nem mesmo uma moto de MotoCross poderia ir. É preciso ir a pé por 40 minutos sob forte sol quando toda alternativa se esvair.

Porém, essa comunidade saiu do meu foco na nossa terceira tentativa de rota.

Para ir para Santa Rita, precisamos passar por dentro de um condomínio de luxo, na Serra campestre de Teresópolis. Casas e sítios de luxo comparáveis aos de Campos de Jordão.

O condomínio era bonito, sua entrada, o portal, fica em um ponto alto, semi-conservado pela boa sorte de ter sido pouco atingido. Porém, quando olhasse além, onde deveria haver uma área de convivência, um lago e um espaço de interação dos moradores do condomínio, há apenas um imenso lamaçal. Suas medidas são quilométricas, assustadoras.

Então, nosso grupo fica sabendo que aquilo era apenas um aperitivo do que aconteceu ali. Toda a área de convivência cedeu, foi destruída pela chuva forte e enxurradas.

O condomínio foi praticamente varrido do mapa. Poucas casas deixam rastros. É possível contar nos dedos quantas ficaram de pé. E nessas poucas, pessoas narcotizadas pelo choque do evento e pela intensa dor que não são capazes de compreender, até o momento.

Nenhum morador das áreas atingidas consegue demonstrar dor. Os sobreviventes contam como foi retirar da lama o corpo de seu melhor amigo ou de seu filho. A diretora da escola infantil relata as mortes de pais e mães de alunos. Relata a morte da cozinheira da escola. E de boa parte dos alunos. Seu rosto, tenta disfarçar a expressão. As palavras travam, se misturam e saem querendo fingir não ter conotação. É a expressão mais intensa da dor; querer transparecer da forma desesperada a mentira que quer acreditar da forma mais sincera.

Os moradores não possuem noção de tudo que envolve o ocorrido. Alguns preferem culpar o aquecimento global. Outros dizem que é mera manifestação da natureza. Outros dizem que é castigo. Os mais simples têm medo de pensar nisso. Só querem reconstruir e viver nesse pedaço de chão que se acostumaram a chamar de lar.

A verdade mais intensa saiu dos lábios de um lavrador local, Israel Patrício, que perdeu seu trabalho e todo o investimento que havia feito num pedaço de terra, para mudar sua vida. Para ele, “Em qualquer lugar há perigo. Aqui foi a chuva. No Rio, poderia ser um maremoto, um tufão. Em outro lugar, terremoto ou quem sabe um incêndio. Mas a única coisa que podemos confiar é em Deus, pois nessa terra, jamais podemos saber do momento seguinte”.

Ainda temos muito para ver. Mas a sensação de todo o grupo é que tudo está muito pior do que poderíamos imaginar. Não num aspecto de mortes e do desastre. Essa dimensão é mensurável, até, pelos meios de comunicação. Porém, o aspecto social e moral de Teresópolis está intensamente conturbado. Há questões políticas que levam a pura negligência e conduta antiética. Há 3 mil crianças em abrigos apenas em Teresópolis e serão jogadas ao Deus dará da burocracia política de uma cidade que resolveu que o Cooper na serra não atingida é mais importante.

Há muito amor e solidariedade do Brasil. Mas as pessoas boas têm tido que se esforçar em dobro aqui. Infelizmente, o mal não está quando os maus falam, mas quando os bons se calam. E os bons precisam de muito apoio para falar aqui.

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